Saturday, November 9, 2019

Em Bragança a desfiar a trança

Encavalitado em Bragança, o clube  Rio discute as regras do pagamento de quotas.  É o que acontece em agremiações regionais e é sempre estimulante assistir. Rio diz que há dois anos  houve vigarices,  Pedro Alves não se fica: quem são eles? Seja como for, parece que o problema está nas datas e no tipo de formulário ( com ou sem comprovativo de telemóvel actualizado). Em termos epistemológicos a questão é excruciante e os portugueses, sobretudo os sócios de muitas colectividades, estão atentos.

Podia ser diferente? Podia. O clube Rio, desde que o presidente foi uma vez constituído arguido,  tinha como vingadora bandeira a reforma da Justiça. Sucessivamente adiada, Elina Fraga e Mónica Quintela ( secretárias assistentes da ordem da Reforma e chanceleres do Grande Bastão) lá a bolsaram, mas a coisa parece que não foi bem recebida e saiu da cena: "São meros apontamentos, não há um plano de ação, um projeto para a Justiça. Nem quero dizer mais nada.”

De modos que lá estamos, em Bragança a  desfiar  a trança.

Wednesday, October 9, 2019

O defunto radioso

A AD original durou um ano e dois dias:  entre as intercalares de 79 e a morte de Sá Carneiro. O resto do tempo foi a desgraça que se sabe, com Freitas a considerar um desaire eleitoral a vitória  nas autárquicas  ( uns míseros 43%....) e Marcelo Rebelo de Sousa e Cavaco a desenharem,  com minúcia, um campo de minas.
A segunda AD, o PaF, esbarrou na aritmética parlamentar, mas já antes  o pós-troika paralisara o PSD. Não foram as sondagens, o A. Costa ou o calor. Foi  a confusão entre o que o partido pensou acerca do programa que teve de aplicar  e o que executou
Agora temos  a grande báscula rosa estribada em imperativos categóricos: garantir pensões e salários, negar cortes. Nem precisa de pronunciar o nome do mafarrico.

Sem ter medo de falar, o centro-direita não vai sequer mudar a fronha da almofada. Era  este Sá Carneiro que agora  querem pintar como socialista:

 "Não há futuro económico e social possível quando problema principal ( ...) é o excesso de consumo público e a monstruosidade das despesas publicas (...). Nós vivemos num país de inutilidade pública que custa caríssimo e que afinal agora querem que continue  a proliferar , obrigando os particulares a suportar o peso da crise económica".


Ora, parece que o PSD (e o CDS) corre o risco  de  ter dado o que tinha a dar. Está na média, de resto. Falar passará por muitas coisas, uma delas dizer alto e bom som que o remedeio e a  pobreza são  alimentos partidários:

 Inês de Medeiros não gostou. E carregou nas tintas. “Se há uma constante dos municípios liderados pelo PCP é a habitação precária e as barracas”, disse, acusando os comunistas de se “alimentarem da miséria das pessoas” e de “gostarem muito de julgar os outros, mas não gostam de ser julgados”.

 Também passará por mostrar que o aparelho burocrático mantém as pessoas na dependência  ( directa e indirecta) do Estado, num limbo de remedeio ou de sobrevivência. As autarquias, a maioria, são um belíssimo exemplo da troca gasosa entre a sindicância partidária e a espórtula empresarial.

Se o PSD continuar como está, será um defunto radioso. Um conjunto de pessoas num conjunto de situações. Como dizia Tayllerand, os homens medíocres desempenham um papel nos grandes acontecimentos  pela simples razão de que estavam lá.














Saturday, September 28, 2019

Da decadência

Uma coisa  é fazer a primeira consulta de alguém que está partido ou  demenciado, outra é conhecer uma pessoa activa, com 50 e tal anos, acompanhá-la ao longo de vinte anos e agora assistir à ruína física e mental.
Não vejam chest-tumping, mas a derrota  é-me familiar. Ainda assim, a situação descrita faz-me fechar o dia na clínica   reduzido à insignificância.

Quando a pessoa que conheci nos seus 50 e tal era alegre, energética e vivaça, a coisa  piora. A relação terapêutica  permite silêncios e cumplicidades que evocam o não-dito. Ela sabe como era, sabe como eu sei que ela era. As nossas conversas de dezenas de anos resumem-se agora a uma cáfila de lugares-comuns: o pior que me sai da boca é só chega a velho quem não morreu novo debaixo de um camião.
Não poder  lavar a roupa, não saber que dia é hoje, ter dores em osssos cuja existência se desconhecia, passar as tardes sentado a mirar um olival abandonado, não conseguir ler um jornal.
O vértice da derrota é o internamento num lar de velhos. Na melhor das hipóteses, a pessoa já nem percebe o que lhe aconteceu.

O velho Schopenhauer tinha razão: a vida é uma longa história de sofrimento. Que  nos vai enganando com doçuras e travessuras.


Sunday, September 22, 2019

O Passos é o Nené

A tendência tem quatro anos e é uma boa tendência:

- Então e este SNS de rastos?
- Olha que chamo o Passos e ficas na maca no corredor  dois dias em vez de um...

- Uma vergonha o saque fiscal indirecto!
- Chamo o Passos e até as pulgas do teu Bobi passam a pagar...

- Os professores ganham mal.
- Ponho o Passos a reitor e vais ver como elas te mordem.

- O mar está cheio de plástico!
- Vem o Passos e e deixa de haver peixe no mar, só preservativos.

- O Raul de Tomás é uma vigarice.
- Contrato o Passos e passas a jogar com nove...

Friday, September 20, 2019

Ataque à liberdade

 
STAATSPERSONLICHKEIT: Mal traduzido, "guerra de aniquilação contra a ideia de Estado enquanto pessoa jurídica". Expressão utilizada em 1902,  por Otto van Gierke ,  que Reinhard Holm, constitucionalista e membro da Jungdeutscher Orden  (Ordem Dos Jovens Alemães), recuperou  em 1933.  
Holm teorizou bastante  sobre a oposição entre a   democracia burguesa-constitucional e a verdadeira democracia  Alemã. A ideia era enterrar o liberalismo e o individualismo e fazer ascender a ideia de comunidade e de comunidade-nacional: "A pedra angular  da lei constitucional já não é o Estado enquanto pessoa de direito , mas  mas a comunidade nacional".
É repetitivo. No comunismo, no islamismo integrista, no nazismo: a comunidade acima de tudo.  O  que pode ser novo é uma leitura diferente : até que ponto , na velha democracia constitucional-burguesa, não vamos assistindo   ao afloramento de alguns ideais comunitários, expressos por uma minoria, em detrimento da liberdade individual de escolha?
 
A justificação para este  enfraquecimento é com frequência um bem maior, um imperativo categórico que uma qualquer pequena comunidade decreta  total em nome da comunidade maior. Várias bandeiras são acenadas, formando públicos controlados por campanhas mediáticas apoiadas em vinculações políticas. O caso Trudeau é exemplar:  as identificações são automáticas  e introduzem compulsões ao exercício de um poder de desqualificar ( como aplica Silvina Lopes ao caso da arte em que tudo-é-possível-tudo-se equivale).

Já não nos é mostrado nada, dão-nos  uns óculos graduados pelo sectarismo.





Tuesday, September 17, 2019

A arte da oportunidade: A. Costa e muito bem.

Usa-se no futebol, na descrição dos debates políticos, em todo o lado em que acontece o que devia acontecer. Dioníso (de Helicarnasso) discordava. Ninguém conseguiu  definir a arte da oportunidade, nem mesmo Górgias de Leontinos, que terá sido o primeiro a escrever sobre o assunto. Traduzindo em passe vite a ideia de Dionísio:  dependendo a arte do kairos  de uma situação determinada, julgada pelos olhos de quem a vê e ocorrendo num instante preciso, que, por sua vez,  é o produto de momentos anteriores e  coevos, é impossível definir a arte.
A altura certa para dizer a verdade, o momento  benigno para abandonarmos, o segundo preciso em que desistimos. Arrisco contrariar Dioníso ( espero que no instante certo): domina a arte da oportunidade quem duvida do futuro.
Vem isto a propósito de outra ideia feita: a acusação de oportunismo aos políticos. António Costa recebe bastas vezes a chibatada. Agora vejamos : um político que não domina a arte da oportunidade é um Raul de Tomás, ou seja, gasta muito, promete tudo e nunca está no sítio certo.
Temos na nossas representações psico-linguísticas outros equívocos: fulana é uma manipuladora. Quando em terapia alguém se queixa de ser assim apodada costumo sossegar a irritação. Explico que é um elogio, que saber manipular, portanto, dispor as coisas, templar, escolher o instante, é uma qualidade preciosa. Os tolos fazem ao calhas.

Costa é oportunista e manipulador? Claro, não é tolo. Bertoldos são os que não aprendem a contrariá-lo, os deslumbrados  que não duvidam do futuro.

Saturday, September 14, 2019

Doga, dog dancing com o PAN


On the other hand, rising connectivities between pet animals (animate and inanimate) and humans are happening in the context of eroding human-human connectivities, as evidenced in the dissolution of social welfare programs, affordable housing, and living wages, all of which are producing a widening gap between the rich and poorand are induced largely by neoliberal imperatives. Given the many diverse circuits of pet animal productivitiesfrom breeders to corporate sponsorships and investments to widespread ‘organic’ community organizing to egghead interestsit is unsurprising that pet-animal DAL is today so popular, salient, and intense. ( aqui)


A flecha  é, como sempre na inspiração marxista, demasiado centrada na questão económica e de classe, mas não fica muito longe  do alvo. Já lá vamos, mas para já examine-se a conexão neoliberalismo - pet mania.
A ideia é a indústria pet-mania como um subproduto da alienação social. Assim  como o futebol e a religião eram o ópio do povo. Interessa-me mais examinar o discurso de organizações que a autora crisma de orgânicas ( pobre Gramsci... se soubesse como seu conceito é tratado abaixo  de ...cão) ou até políticas como o nosso PAN.
Nos incêndios em que morreram 116 pessoas e milhares de animais e plantas não vimos  uma alma do PAN, uma iniciativa do PAN, nada, népias. Poderão estranhar se forem distraídos pela sigla Pessoas, Animais e Natureza. Se forem atentos compreendem que animais e natureza está lá como penduricalho: os únicos animais que contam são os humanos e as suas necessidades. Uma vaca que só existe para dar leite é tão importante para o PAN como uma pulga para um cão.
O neoliberalismo trazido pela autora do artigo só se compreende à luz do velho axioma: quando já temos tudo assegurado, quando  não conseguimos tolerar a frustração, viramo-nos para  a contínua satisfação das nossas necessidades secundárias. Uma comandita de gente resolveu projectar nos animais as suas neuroses. Podia ser pior, podia ser nos humanos.

 O que nos leva ao pequeno desvio da flecha. A autora entende que o narcisismo da pet mania  só existe como consequência do consumismo desenfreado. Talvez lhe escape que o mesmo consumismo produz relações com os animais exclusivamente  baseadas no garfo e faca ( os famosos hamburgeres ou a especulação com o atum por ex).A infelicidade  humana encontra sempre uma maneira de se exprimir. 
Já a reacção de superioridade da pet mania não tem nada de especial. Se entendem que os que tratam os animais apenas como animais são atrofiados ( stunted), apenas cumprem o mandamento de qualquer seita, política ou religiosa: se não és como eu tens de ser reeducado:


 Within the gamut of most economically powerful nations, the U.S. alone has the greatest percentage of its population in prison (most prisoners being poor andpersons of color), the highest crime rates, the most gun-related deaths, the lowest literacy rate, the highest levels of racial segregation, and the highest levels of infant mortality among the poor. At the same time, it is in the vangard of pet-care and commodity-pet-love. It has commodified pet-love into all walks of U.S. life such that humans who live without pets or who treat their pets as a species apart are seen as anomalous and somehow emotionally, psychologically, or morally stunted.