Saturday, September 28, 2019

Da decadência

Uma coisa  é fazer a primeira consulta de alguém que está partido ou  demenciado, outra é conhecer uma pessoa activa, com 50 e tal anos, acompanhá-la ao longo de vinte anos e agora assistir à ruína física e mental.
Não vejam chest-tumping, mas a derrota  é-me familiar. Ainda assim, a situação descrita faz-me fechar o dia na clínica   reduzido à insignificância.

Quando a pessoa que conheci nos seus 50 e tal era alegre, energética e vivaça, a coisa  piora. A relação terapêutica  permite silêncios e cumplicidades que evocam o não-dito. Ela sabe como era, sabe como eu sei que ela era. As nossas conversas de dezenas de anos resumem-se agora a uma cáfila de lugares-comuns: o pior que me sai da boca é só chega a velho quem não morreu novo debaixo de um camião.
Não poder  lavar a roupa, não saber que dia é hoje, ter dores em osssos cuja existência se desconhecia, passar as tardes sentado a mirar um olival abandonado, não conseguir ler um jornal.
O vértice da derrota é o internamento num lar de velhos. Na melhor das hipóteses, a pessoa já nem percebe o que lhe aconteceu.

O velho Schopenhauer tinha razão: a vida é uma longa história de sofrimento. Que  nos vai enganando com doçuras e travessuras.


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